Linguagens divergentes

Linguagens divergentes
As diferenças linguisticas entre homens e mulheres

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Oralidade na sala de aula

Marcuschi (2002) inicia seu texto Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco ‘falada’, afirmando que “a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas” (MARCUSCHI, 2002: 21). No entanto, é alarmante a quase ausência de abordagens do aspecto oral da língua em aulas de português. Essa postura de descaso para com a oralidade nas salas de aula, em específico nos livros didáticos de português, é analisada por Marcuschi no texto em questão.

O autor nos apresenta definições básicas de linguagem e língua, definindo a primeira como uma expressão que designa uma faculdade humana. Língua, por sua vez, é definida como uma expressão referente a uma, dentre “tantas formas de manifestação concreta dos sistemas de comunicação humanos desenvolvidos socialmente por comunidades lingüísticas” (MARCUSCHI, 2002: 22).

Enquanto a noção de linguagem abrange uma faculdade humana universal, a noção de língua refere-se à comunicação humana concretizada através de uma manifestação social, histórica, particular e sistemática, logo, a língua, para além de seu caráter comunicativo, apresenta-se como uma atividade de interação dialógica, tendo características intrínsecas, tais quais: a heterogeneidade, um dos motivos das variações históricas e sociais; a indeterminação e a situacionalidade, pela necessidade de ser tratada em contextos situacionais; a historicidade, pelo fato de se modificar no decorrer do tempo; a interatividade, por ser a língua um trabalho social, uma atividade interpessoal; a sistematicidade, caracterizada pela existência de regras, mesmo que variáveis, que definem seu uso; e a cognoscibilidade, por ser, a língua, um sistema cognitivo utilizado para compreensão e construção do mundo mental ou não.
Os livros didáticos de português apresentam uma visão parcial da língua ao ignorarem este espectro de atributos e focá-la como simples instrumento de comunicação social, semanticamente transparente e autônoma, homogênea, desvinculada dos usuários, separada da realidade e não histórica. A dificuldade de encontrar um lugar para a oralidade na sala de aula pode ser compreendida inicialmente ao observarmos a parcialidade deste contexto teórico.

Um ponto relevante a ser observado é o posicionamento do livro didático de português a respeito do papel central da escola, resumido no objetivo geral de ensinar a escrever.
A dificuldade encontrada pelos autores de livros didáticos de português encontra-se em como e onde inserir o estudo da fala nestas obras, sendo a oralidade, portanto, tratada nestes livros em termos comparativos ao padrão culto atribuído à escrita.

A fala tem como aspecto central a variação. O autor afirma que “a noção de um dialeto padrão uniforme (não apenas no Português, mas em qualquer língua) é uma noção teórica e não tem um equivalente empírico” (MARCUSCHI, 2002: 24). A abrangência dos aspectos de mudança e variação raramente é efetuada nas aulas de língua portuguesa. Faz-se necessário, segundo o autor, “formar a consciência de que a língua não é homogênea nem monolítica” (MARCUSCHI, 2002: 24).
Outro aspecto fundamental é a existência de níveis de uso da língua desde seu aspecto coloquial até a formalidade, tanto na fala quanto na escrita. A observação de características que influem na produção da fala, tais como idade, sexo, atividade profissional, posição social, podem e devem ser observados em salas de aula de maneira que a oralidade seja abordada como elemento integrado e relacionado à escrita.

Uma abrangência consciente e ampla da oralidade na sala de aula é defendida por Marcuschi (2002: 25):
"O trabalho com a oralidade pode, ainda, ressaltar a contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva. Veja-se o caso tão ilustrativo dos contos populares ainda tão vivos em nosso povo não só no interior, mas também em áreas urbanas. Dedicar-se ao estudo da fala é também uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e à discriminação lingüística, bem como suas formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de esquemas de dominação e poder implícitos em usos lingüísticos na vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com as estruturas sociais."

Pode-se detectar um indício de valorização do lugar da oralidade nas aulas de Português quando observarmos as considerações apresentadas oficialmente através dos Parâmetros curriculares nacionais (2001), no item 1.4.2 do volume específico sobre o ensino da língua portuguesa, Que fala cabe à escola ensinar?:
"A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. // O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar – a que se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho da fala – e, sendo assim, seria preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um momento histórico (PCN – Língua Portuguesa: 2001: 12)."

Esta proposta aponta para novas possibilidades de abordagem da fala nas salas de aula e nos livros didáticos de português, já que o panorama atual nos revela um descaso, e em alguns casos um silêncio, no que tange a fala. “O espaço dedicado à língua falada raramente supera o ridículo percentual de 2% no cômputo geral de páginas” (MARCUSCHI, 2002:26), afirma o autor ao referir-se ao livro didático de português.

O fato de, nestes livros, relacionar-se fala com erro deve-se a uma tendência a dicotomização entre a língua padrão, que geralmente relaciona à escrita, e a língua não padrão, freqüentemente relacionada à fala, mantida através de uma visão monolítica e homogênea.
A falta de uma concepção e uma terminologia definida a respeito da língua, nas salas de aula, é um outro ponto agravante. Quando presente nos livros didáticos de português, a língua falada é, com freqüência, tratada como uma questão lexical restrita a gírias, frases feitas e expressões idiomáticas.

Por fim, é comum mencionar, nos livros didáticos de língua portuguesa, a variação lingüística da oralidade e ignorar a variação presente na escrita. “As próprias atividades de reescrita de fala não apontam para a possível mudança de sentido na nova formulação” (MARCUSCHI, 2002:30).

A partir desta realidade apresentada pelo autor, serão propostas, explanações históricas, no ponto de vista de Benjamin (1979), acerca da decadência da tradição oral na sociedade ocidental, com o intuito de nos reconhecermos enquanto fruto de uma sociedade grafocêntrica moderna e nos situarmos conscientemente nesse quadro sócio-histórico do qual fazemos parte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário